A recuperação de áreas degradadas no mundo tem uma história antiga, embora nem sempre contada. E conhecer histórias de sucesso em projetos de recuperação traz mais do que inspiração: nos reconecta com as possibilidades reais de ação para recuperarmos as áreas degradadas em nossas comunidades.
No artigo de hoje, vamos trazer alguns exemplos incríveis de recuperação de áreas em diversos continentes. Vem conhecer!
Projeto 1 – Laguna Chilika, Odisha, Índia
O ecossistema original de Chilika
A Laguna Chilika é a maior de água salobra do continente asiático e a segunda maior lagoa costeira do mundo. Localizada em Odisha, no leste da Índia, a laguna recebe o fluxo do rio Daya e deságua na Baía de Bengala. A área estimada da lagoa é de 1.111 km². Por sua natureza estuarina e efêmera fortemente influenciada pelas monções e marés, desempenha um papel importantíssimo na regulação hidrológica regional.
Assim como os mangues brasileiros, o ecossistema de Chilika é uma terra alagada, que recebe influências estuarina, das monções e marés. Similarmente, a área também é um importante centro de encontro de aves migratórias, além de ser o habitat de um golfinho endêmico, o Irrawaddy (Orcaella brevirostris). Ou seja, um hotspot de biodiversidade.
Além disso, a lagoa tem uma área de conexão com o oceano Índico de mais de 10 mil hectares, o que torna a água salobra.
Origens da degradação da área
Entre 1950 e 2000, a região passou por um intenso processo de degradação ambiental, que reduziu a conectividade da laguna com o oceano. Entre as fontes de degradação estavam a sobrepesca e o acúmulo de sedimentos originados de nascentes degradadas.
Além disso, perda da conexão da laguna com o oceano fez com que a água se tornasse doce, o que favoreceu a propagação excessiva de espécies invasores. Por causa disso, a superfície do lago se reduziu muito e afetou também as populações de peixes.
Em acréscimo, foram criados projetos de criação de peixes (aquicultura) na laguna convertida em lago que mostraram-se desastrosos, que causou muitos conflitos e perdas de áreas de produção tradicional de peixes.
Dessa forma, não apenas o ambiente ficou degradado, mas também os estilos de vida de um grupo grande de pessoas e comunidades envolvidas com a pesca tradicional da região. Esse problema, entretanto, daria origem a um dos mais interessantes projetos de recuperação de áreas degradadas no mundo.
O projeto de restauração ecológica
A degradação da área da Laguna Chilika chamou a atenção de conservacionistas do mundo todo, mas a situação de fato passou a mudar a partir da intensa pressão do povo para recuperar a área alagada de Chilika.
Mediante a pressão, o Governo de Odisha criou a Autoridade de Desenvolvimento Chilika, que atua como um comitê gestor, agregando diversos atores importantes para a região, especialmente as comunidades pescadoras e agricultoras.
A partir disso, novas estratégias de gestão ambiental integrada da bacia foram criadas, além de uma nova saída da laguna para o mar para recriar a conexão perdida. Em paralelo à gestão integrada, foram criados também vastos programas de recuperação de nascentes em toda a bacia da laguna e diversas ações de apoio e treinamento às comunidades de pescadores.
Outro elemento importante para o sucesso desse programa de restauração foi a comunicação constante da necessidade de um manejo integrado e monitoramento ecossistêmico sistemático. Com isso, a laguna Chilika é um dos mais interessantes projetos de recuperação de áreas degradadas no mundo.
Os resultados para as pessoas e para a natureza locais
Após um período de adaptação às intervenções e gerenciamento da bacia lacustre, a resposta ao programa de restauração ecológica passou a se sustentar. A produção de peixe estabilizou-se em 13 mil toneladas métricas por ano e a população do golfinho Irrawaddy cresceu de 89 para 158 entre 2003 e 2015. Houve melhorias na sobrevivência das espécies nativas de plantas aquáticas e a população de invasoras declinou significativamente.
A área, hoje receptora de múltiplos prêmios de conservação, continua seu trabalho de gestão integrada da bacia. Atualmente, os maiores problemas enfrentados pela pesquisa na região são aumento do uso da água à montante e aumento nos níveis do mar, além do aumento de eventos extremos originados das mudanças climáticas.
Além de suas funções ecossistêmicas recuperadas, o lago Chilika é excelente exemplo de projeto de recuperação áreas degradadas no mundo, e é lindo. É tão lindo que hoje é também uma destinação turística para a região. Se quiser saber mais sobre o lago, leia a página do projeto aqui.
Projeto 2: Comunidade Salinas do Sacavém, São Luís, Maranhão, Brasil
Um interessante projeto de recuperação de áreas do mundo está localizado no Maranhão. É a recuperação de uma voçoroca na comunidade de Salinas do Sacavém, na capital São Luís.
O ecossistema original da área de Salinas do Sacavém
A comunidade de Salinas do Sacavém está localizada em São Luís, a capital do Maranhão. Portanto, está dentro do bioma Amazônia e tem clima tropical. A Ilha de São Luís tem algumas particularidades, tais como a extensa área de manguezais e uma das maiores amplitudes de maré do mundo. Isso significa que o município é rico em recursos naturais, peixes e crustáceos, além de uma abundante cultura popular originada das comunidades descendentes de africanos e povos originários.
Em termos ambientais, São Luís herda a riqueza e biodiversidade das florestas amazônicas. Entretanto, hoje em dia, estima-se que praticamente toda a vegetação original do município tenha sido substituída. Isso significa que, em muitas áreas, o solo amazônico ficou exposto. Porém, é importante notar que solos amazônicos são muito vulneráveis à erosão e, dependendo da declividade, podem virar voçorocas.
Origens da degradação da área
A ocupação colonial de São Luís deu origem também a um processo de urbanização que nem sempre respeitou os limites ambientais da região. Uma das cidades mais antigas do Brasil, São Luís teve importância histórica em diferentes ciclos econômicos do país. A cada novo ciclo, também, chegaram novas ondas de migração, já que trabalhadores vinham em busca de emprego nas diferentes indústrias em diversas épocas da história de São Luís.
Esse é o caso, por exemplo, de uma das últimas ondas de imigração para cidade, que ocorreu seguindo a instalação das plantas das mineradoras ALUMAR (Alumínios Maranhão) e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual VALE, entre as décadas de 1950 e 1970. Migrantes vindos do sertão nordestino e fugindo da seca foram para São Luís para encontrar trabalho.
Entretanto, devido à ausência de planejamento urbano para acomodar essa nova população de trabalhadores, a cidade passou a ter ainda maior concentração de áreas ocupadas por moradias irregulares em áreas de solo frágil.
Além disso, o uso inadequado do solo, como o desmatamento, obras de engenharia, especulação
imobiliária, retirada de material para construção (laterita, areia fina, silte e argila) de maneira irregular vem causando a aceleração da evolução das voçorocas em São Luís. Esse foi o caso de uma delas, a voçoroca de Salinas do Sacavém.
Esse problema não é isolado em São Luís e no Maranhão. Na verdade, o problema vem se intensificando nos últimos anos, o que vem gerando esforços de pesquisa para resolvê-lo.
O projeto de recuperação de áreas degradadas de Salinas do Sacavém
Em busca de uma solução para o problema das voçorocas, que segue crescendo no Maranhão, a área de Salinas do Sacavém se tornou alvo de investigação científica. Essa pesquisa fez parte de um escopo que incluiu países da África e da Ásia, que têm problemas similares e buscam soluções de baixo custo para resolver a situação.
Teve início, assim, o projeto “Geomorfologia e reabilitação de áreas degradadas com técnica de bioengenharia na bacia do Bacanga”, que pesquisou o uso de mantas geotêxteis biodegradáveis para a recuperação de áreas em alto estágio de erosão, como a voçoroca de Salinas do Sacavém.
Além de extenso estudo sobre as propriedades de solo, declividade e características técnicas das biomantas, o projeto teve também um importante elemento de educação ambiental oferecido à comunidade residente. Também, a comunidade foi envolvida na produção e implantação das mantas geotêxteis nas áreas.
Devido à intensidade da ocupação urbana no entorno da voçoroca, foi necessário também isolar a área para que esta pudesse recuperar-se.
Os resultados para as pessoas e para a natureza locais
Hoje, a área encontra-se recuperada e as comunidades ao redor encontraram novas alternativas de renda produzindo biomantas para outros projetos. Há muito ainda a ser pesquisado, mas novas iniciativas seguem sendo conduzidas pelas universidades para entender o fenômeno das voçorocas e como remediá-las.
Aliás, o Brasil conta também com um dos maiores projetos de recuperação de áreas degradadas do mundo, os corredores ecológicos da Mata Atlântica.
Conheça outros projetos que incluem o uso de biomantas e de comunidades aqui na Palmtech.
Projeto 3 – Platô Loess, China
O ecossistema original da área do Platô Loess
O Platô ou planalto Loess está localizado no centro-norte da China, em uma zona árida e de ventos intensos. O seu nome vem do depósito de um sedimento clástico muito similar ao lodo, o loess.
O planalto é, também, situado a sudeste do deserto de Gobi, além de ser cercado pelo Rio Amarelo. Apesar da presença de outros desertos que circundam a região, grande parte dos sedimentos de loess do platô são provenientes do deserto de Gobi.
A seu turno, esses sedimentos são carregados pelos ventos constantes e pela força das monções de inverno. Como resultado, portanto, o planalto Loess da China é um dos maiores do depósitos desse sedimento no mundo.
Dessa forma, por causa das características do loess e do clima intenso da região, a área tem grandes inciência de erosão pelo vento (escarpas eólicas, como podemos ver na fotografia), ravinas e falhas verticas de loess.
Portanto, o planalto Loess da China é uma área altamente vulnerável à erosão. De fato, nas últimas décadas, o ambiente e o clima do local mudaram muito, incluindo o padrão de precipitação, a cobertura vegetal e a proporção de riscos ambientais naturais.
Origens da degradação da área
No mundo, ainda existe em grande proporção o paradigma desenvolvimentista de que a floresta é fonte de recursos e nada mais. Portanto, desenvolver economicamente uma área, nessa visão de mundo, significa degradá-las. Esse, infelizmente, foi o caso também da China após a Revolução.
Nesse sentido, o governo central chinês considerava, por lei, florestas como terras agrícolas não cultivadas. Por causa da necessidade de desenvolvimento industrial da China, o país criou programas de construção de infraestrutura que não levaram em conta o aspecto ambiental. De fato, o conceito de de desenvolvimento sustentável só surgiria muito tempo depois.
Portanto, para o governo chinês desse período, os objetivos do manejo florestal eram essencialmente fornecer matéria-prima e combustível para o desenvolvimento da indústria e terras agricultáveis para a produção de alimentos para a população.
Com isso, uma degradação sem precedentes aconteceu na área do rio Yang-tsé (Amarelo), o que causou secas cada vez mais catastróficas. Em 1997, a seca total do rio durou 227 dias e por 330 o rio não chegou no mar. Por causa disso, não apenas o ambiente como também a economia e as indústrias dependentes desse rio estavam em perigo.
Por outro lado, algumas áreas ao longo da bacia do Yang-tsé, enchentes massivas causaram enormes perdas. Estima-se que cerca de 4000 pessoas morreram e outras 18 milhões foram deslocadas por causa da enchente de 1998, além de mais de 12 bilhões de dólares em danos à infraestrutura. Com o cenário cada vez pior, o governo chinês passou a planejar a recuperação massiva da região.
O projeto de recuperação de áreas degradadas de Platô Loess
Em 1999, o governo chinês iniciou o “Grain for Green”, um dos maiores projetos de recuperação de áreas degradadas no mundo.
Entretanto, devido à sua escala e complexidade, o governo chinês demorou cerca de quatro anos e meio para desenvolver o projeto e submetê-lo ao Banco Mundial, um dos principais patrocinadores. Como objetivos primários estavam a recuperação da produtividade agrícola e o reestabelecimento do fluxo de água nos rios e afluentes.
Para atingir esse objetivo, então, os governo criou um sistema de pagamento por serviços ambientais aos agricultores afetados. A ideia era “aposentar” áreas agrícolas já com pouca ou nenhuma produtividade.
Inicialmente, o projeto estava planejado para durar 8 anos. Porém, foi estendido por mais 8 em 2007. Dez anos após seu início, por volta de 2010, o projeto tinha recuperado 15 milhões de hectares de terras agrícolas improdutivas e 17 milhões de hectares de terras áridas estéreis, que foram reconvertidas em vegetação natural.
Os resultados para as pessoas e para a natureza locais
Após dez anos de implantação do projeto Green for Grain, os resultados foram excelentes. Entre os efeitos da iniciativa estão:
- Retorno da vegetação
- Retorno da vida selvagem
- Recuperação da microfauna do solo
- Fixação de carbono no solo e na vegetação
- Presença de pastagens em áreas antes consideradas estéreis
- Ausência de nuvens de poeira, que antes comprometiam a qualidade de vida dos residentes
Porém, o resultado mais importante é o retorno dos diversos caminhos da água. Isto é, os rios voltaram a ter vazão. Com isso, o ambiente voltou as ser habitável.
Outro resultado aparente, também, se deu na vida dos residentes. Com o pagamento pelos serviços ambientais, as pessoas puderam passar a pensar em métodos de produção agrícolas mais funcionais e sustentáveis. Nesse sentido, a região criou uma “Economia da Restauração”, em que pessoas antes empobrecidas passaram a ter protagonismo, o que também ajuda a reduzir as desigualdades do país.
O sucesso do projeto de recuperação do Planalto Loess inspirou programas similares em outras partes do mundo, incluindo Egito, Portugal e Chile e até mesmo nos Estados Unidos. Em Burkina Faso, trabalhadores estão plantando árvores como parte do projeto Grande Muralha Verde, um projeto massivo para revegetar áreas na África Subsaariana.
Assim, o programa tem sido positivo para a maioria das áreas. Entretanto, como qualquer projeto de recuperação de áreas, é necessário aprender com o monitoramento para continuar a avançar no manejo sustentável da bacia. Em quaisquer dos casos, o programa no Planalto Loess é considerado uma referência de projeto de recuperação de áreas degradadas no mundo.
Como pudemos ver, recuperar áreas degradadas é uma atividade essencial para a continuidade do desenvolvimento econômico e humano em qualquer contexto. Aqui no Brasil, temos muitas referências de sucesso também e nós estamos trabalhando para termos ainda mais. Continue acompanhando para saber mais!
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